quarta-feira, 21 de março de 2012

PAI

Logo quando cheguei no plantão noturno, a enfermeira veio me informar sobre um paciente que estava no repouso, no leito 1. Era um idoso bastante simpático, em razoáveis condições clínicas, que tinha sido deixado pelo plantão diurno para reavaliação à noite.

Fui avaliá-lo. Embora estivesse estável, percebi que o paciente não evoluía completamente bem. Ele tinha uma provável pneumonia e, por conta dela, sua respiração estava ligeiramente acelerada. Fiz alguns cuidados iniciais, e logo avisei à enfermeira que iríamos transferi-lo para um hospital onde pudesse ser internado. Não demorou para que conseguíssemos uma vaga em um ótimo serviço de Olinda, e ficou certo que, tão logo a ambulância chegasse, nós o transferiríamos.

Continuei atendendo normalmente os outros pacientes da emergência. Após algum tempo, um senhor de meia idade pediu para falar comigo. Fui conversar com ele, e uma mulher mais nova, que se disseram filhos do idoso do leito 1. Eles explicaram que o hospital para o qual mandaríamos seu pai era distante de onde moravam, e que preferiam que o idoso fosse para casa, a ser internado lá. Pediram que eu internasse no hospital onde trabalho.

Expliquei à família que aquele hospital não fazia internamento à noite, portanto não teria como deixar o idoso ali. Então, o filho me pediu que liberasse o pai, e ele voltaria pela manhã para tentar ser internado se não estivesse melhor. Avisei ao homem dos riscos: o pai era idoso, estava com uma infecção respiratória que poderia se tornar grave se não recebesse os devidos cuidados. Mesmo com toda minha explicação, o filho estava reticente, enquanto a filha compreendeu o perigo de mandar o pai para casa.

Mesmo com o filho exigindo que liberasse o pai, eu fui firme: não deixaria o idoso sair do hospital, se não fosse para ser internado em algum lugar. Outros acompanhantes e a própria irmã conversaram com o homem, e ele acabou por aceitar o fato. Em menos de uma hora, conseguimos que a ambulância transferisse o idoso para o hospital maior, com um documento que eu escrevi ao médico de lá explicando a transferência.

Na semana seguinte, eu estava no meu rotineiro plantão no mesmo hospital, quando o porteiro bateu à porta do consultório e me avisou que um homem estava à minha procura. Assim que o paciente sendo atendido saiu, o homem entrou. Era o filho do idoso da semana anterior.

Logo quando sentou, nervoso, entristecido, ele me contou que o pai tinha falecido. Explicou que o pai foi para o hospital, onde se internou, mas veio a falecer no início da tarde seguinte. Mesmo com todos os cuidados, a infecção se agravou, como eu havia explicado a ele, e o pai não resistiu.

Ele passou em torno de dez minutos sentado à minha frente, desabafando. Não queria nada além disso: contar o que havia acontecido com o pai. Explicou que o pai era um homem forte, que lutara muito para criar ele e a irmã. Explicou a dificuldade que foi em pagar o caixão do pai, e que em dois anos teriam de tirar os ossos dele de lá e arranjar um jazigo. Mostrou o belo santinho que fizeram para a missa de sétimo dia dele.

Depois de toda a conversa, ele se levantou, agradeceu tudo que o hospital fez e pediu desculpas por tomar meu tempo de atendimento. Antes de sair, pegou um papel no bolso, desembrulhou e mostrou: era o documento da transferência que eu havia preenchido. Então, ele perguntou:

"Gostaria de ficar com alguma coisa pra lembrar de meu pai. Posso colocar esse papel num vidro pra pendurar na parede de casa?"

Sem acreditar, e até emocionado, eu obviamente deixei. Antes de ele sair, abracei o homem, pedi que rezasse sempre pelo pai. Ele se despediu e foi embora. Nesses momentos, difícil é você se concentrar depois para continuar atendendo...



PAI é uma música de Fábio Júnior