segunda-feira, 26 de setembro de 2011

FORÇA ESTRANHA

Ele chegou a primeira vez na emergência como um típico caso de pneumonia. Estava tossindo horrores, sem respirar direito. Tinha fumado a vida toda, e agora o pulmão reclamava de tanta nicotina acumulada. Foi internado por seus oitenta e tantos anos, recebeu oxigênio, tomou antibiótico, e logo estava um pouco melhor. Um pouco.

Também tinha perdido peso. Na tosse vinha um pouco de sangue. Uma investigação começou para definir melhor o que acontecia. Não tardou em mostrar uma grande massa no pulmão, depois revelada como um câncer já bastante avançado.

Mesmo sendo um câncer muito grave, a decisão do oncologista foi investir em uma tentativa de cura ou, pelo menos, controlar a doença. Foram iniciadas sessões de quimioterapia verdadeiramente devastadores, com o intuito de extirpar qualquer célula cancerosa do corpo daquele senhor.

Logo de início, o resultado foi terrível. Além do óbvio desgaste emocional, o corpo trouxe todas as piores reclamações - cabelos sumiram, o peso desabou, vômitos eram constante. Ainda assim, a força de vontade do homem só não era mais inabalável que a fé e o amor de sua família.

Ao longo da quimioterapia, houve duas outras internações por episódios de falta de ar. Apesar disso, a melhora do estado geral dele era evidente, o que animou a todos, em especial os familiares. Em sua última alta, ele sorria animadamente, agradecia à equipe médica e prometia que ia combater a doença com todas as suas capacidades.

Voltou ao hospital um mês depois. A família explicou que ele estava cansando como nunca e, o que era mais preocupante, havia desistido do tratamento. Não aguentava mais as sessões de quimioterapia e implorou que os familiares simplesmente o deixassem morrer sem sofrer com aqueles remédios que só lhe faziam mal. Queria morrer em casa.

Mas isso não aconteceu. Em uma semana, teve de ser internado de urgência. Mal conseguia respirar. A família estava em pânico e implorando que fizéssemos de tudo para salvar o pai. Logo na chegada, conseguimos reverter o quadro com máscara de oxigênio, mas ele deteriorava a cada hora. Então, surgiu o maior dilema médico - até onde investir no paciente?

Ele era um paciente portador de uma doença terminal. Em teoria, não havia sentido investir demais em um paciente como ele. De que adiantaria intubar, usar medicamentos de última geração, ressuscitar em caso de parada, se apenas estaríamos prolongando seu sofrimento? Ainda assim, a nova lei médica exige a participação do paciente e da família nas decisões, e bom senso do profissional pede o mesmo.

No dia seguinte, seu quadro obviamente era pior. Ele sequer estava acordado, mantendo-se em um estado de respiração mínima. A equipe decidiu conversar com a família para tomar uma decisão em conjunto. Havia opções de conduta a se tomar. O paciente poderia ser levado para UTI ou poderia ser deixado na enfermaria junto da família. Poderia ser intubado, ressuscitado em caso de parada; ou poderia ser dado apenas um suporte que aliviasse sua condição até a inevitável hora.

A família, em óbvias lágrimas desesperadas, pediu que não prolongássemos o tempo dele, que não forçássemos seu corpo a ir além dos próprios limites do sofrimento. Por fim, pediram que nós o levássemos para a UTI, pois não se encontravam mais em condições de ajudar o pai, estavam completamente arruinados fisicamente e devastados emocionalmente para lidar com a situação.

Colocamos o paciente na UTI no início da manhã. Ele veio a falecer poucas horas depois, com todo suporte que lhe era possível ser dado, sem medidas extremas. Morreu de forma tranquila, sem dor e com o mínimo de sofrimento que a doença permitia.

A medicina existe com vários propósitos. Alguns acreditam que servimos para salvar a vida das pessoas, outras acham que existimos para curar doenças, e poucos apostam na nossa capacidade de preveni-las.

Mas existem momentos em que o grande trabalho da equipe médica, e a verdadeira salvação humana, residem apenas em aliviar o sofrimento.


FORÇA ESTRANHA é uma música de Caetano Veloso

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

JUVENTUDE TRANSVIADA

Uma gestante de 15 anos mantinha consultas regulares com a enfermeira de seu posto de saúde, para realização do pré-natal, sem maiores problemas. Era sua primeira gravidez, e ela se tratava de uma mãe solteira. A previsão inicial sugeriu que a gravidez tinha se iniciado no mês de março.

Em determinada consulta pré-natal, ela levou o ultrassom feito para avaliar o bebê e, aproveitando o momento, questionou:

"Queria ter certeza de quando fiquei grávida. Minha mãe e eu achamos que foi em fevereiro, e não em março"

Ela explicou que tinha se enganado antes, e em feveiro ainda tinha menstruação. A enfermeira, habilidosa, decidiu recalcular, sob o aviso:

"Isso faz uma diferença grande pra mim, doutora"

Enquanto examinava o ultrassom, a enfermeira questionou o motivo.

"A senhora sabe como é mulher solteira... Um dia fica com um. Outro dia, fica com outro. O namorado que eu tinha em fevereiro é diferente do que tinha em março. E eu não estou mais com nenhum dos dois"

Compreendendo a situação, a enfermeira perguntou:

"O namorado de março soube da gravidez?"

"Soube, e eu disse que era dele"

A enfermeira terminou de examinar a jovem mãe. E, diante das características da gravidez e do que mostrava o ultrassom, avisou:

"É quase certo que você tenha engravidado mesmo em fevereiro"

Preocupada, a garota se questionou do que fazer.

"Agora, você vai ter que avisar ao namorado de fevereiro que ele deve ser o verdadeiro pai. Você não precisa voltar a namorar com ele, mas ele tem que participar da gravidez"

"E o que eu faço com o de março?"

"Ele vai ter que entender a situação..."

Quando a garota saiu do consultório, deixou na enfermeira a dúvida se realmente contaria a verdade sobre a gravidez para alguém.



JUVENTUDE TRANSVIADA é uma música de Luiz Melodia
História gentilmente cedida por Lívia Barbosa