sábado, 19 de novembro de 2011

JARDIM DA INOCÊNCIA

Uma garota de 9 anos chegou à emergência pediátrica sentindo fortes dores na barriga, que haviam começado há poucas horas. Era trazida pela mãe e pelo padrasto, que acreditavam se tratar de alguma comida estragada causando infecção intestinal. Mas ela não tinha diarreia.

Depois dos cuidados iniciais, quando estabilizamos a garota, nossa preocupação passou a ser entender o que estava acontecendo. Pedimos um exame de sangue, que não veio com alterações. Questionamos sobre diarréia, prisão de ventre, ardência na urina, entre tantas outras coisas. De tudo, além da dor, a garota só estava vomitando bastante.

Concordamos de início com o pensamento da família sobre o alimento estragado. Medicamos para aliviar as dores e mantivemos em observação. O problema é que, duas horas depois, a dor não havia aliviado em nada, e até tinha piorado. A garota gemia bastante, reclamando que o "pé da barriga" estava a ponto de explodir. Então, questionamos à mãe se a garota já havia menstruado, e ela não soube responder. Pensando na chance de ser algo ginecológico, decidimos realizar um exame superficial.

No momento do exame ginecológico, a garota ficou agitada, sem querer retirar a calcinha. Após muitos pedidos, e com a companhia carinhosa da mãe, ela aceitou expor sua intimidade. A maior surpresa de todos foi quando apareceu sangue na calcinha e na vagina. A preocupação geral foi imediatada. A médica tentou continuar o exame, mas a garota voltou a atrapalhar, nervosa, e preferimos parar.

Submetemos a menina a uma ultrassonografia. Quando o resultado chegou, todos foram nocauteados de surpresa. A menina estava grávida de dois meses. O que explicava tanta dor era o fato de ser uma gestação tubária. O embrião tinha se instalado em uma das trompas, o que inviabilizaria a gravidez. Por sorte, a trompa ainda não havia rompido, do contrário a garota estaria numa situação mais grave.

Ela foi submetida a uma cirurgia, com retirada da trompa e do feto ectópico. Após resolvida a situação de saúde da menina, ficou a grande questão: quem havia feito isso. O primeiro pensamento, sem dúvida, recaiu sobre o padrasto. Ao saberem do que a menina tinha, inclusive, a própria mãe desconfiou do marido. O homem, porém, afirmou jamais ter tocado na garota com esse tipo de intenção. Disse que a amava como filha.

Mesmo sob toda a negativa dele, o padrasto foi levado para maiores esclarecimentos e permaneceu como principal suspeito. O pai da menina, que não morava com ela, também foi chamado para prestar depoimento. Não conseguiram definir com exatidão quem deveria ser o culpado,  continuaram acreditando no envolvimento do padrasto.

A menina permanecera quieta sobre isso o tempo todo. Não falava nada quando questionada, fingia que nada havia acontecido. Continuava a tratar bem o pai e o padrasto. No dia da alta, porém, ela entrou em crise de histeria e se recusou a deixar o o hospital. A mãe não entendeu o motivo da reação. A garota não parava de gritar e dizer que queria ficar no hospital.

Por fim, a garota disse para a mãe que, se fosse para casa, o homem estaria lá para esperá-la. Naquele momento, a mãe se deu conta. Um de seus vizinhos, pai de duas crianças, era muito carinhoso com a menina, sempre aparecia na casa para visitá-los. E já tinha acontecido de ficar tomando conta da filha duas ou três vezes. Só podia ser ele.

Quando a polícia interrogou o homem, ele negou. Mas, depois que usaram o truque de fingir que a garota havia morrido por conta da gravidez, o vizinho não suportou a culpa e admitiu o que havia feito. Tinha sido ele quem abusara sexualmente da garota. Ele foi imediatamente acusado do crime, e até seus filhos tiveram de passar por exames médicos para certificar que não sofriam também abuso.

A menina continuou reticente de voltar para casa, mas recebeu alta hospitalar. Apesar de fisicamente bem, com a doença orgânica resolvida, seria difícil curar o tamanho dano que havia sido provocado em sua mente.


JARDIM DA INOCÊNCIA é uma música de Paulo César Baruk

4 comentários:

  1. Barra, velho! Mundo cão da porra, nem em ficção...

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  2. O desgraçado deve ser morto.

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  3. Pode parecer bem cliche, mas eh lendo historias como essa que a resposta a frase "A arte imita a vida ou a vida imita a arte" recebe um resposta. Adorei a proposta do seu blog. As historias sao reais? Recomendo pra todo mundo.

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  4. Tenho uma filha de 4 anos de idade, muitas vzs me chamam de histérica em relação como lido com essas coisas, não a deixo na casa de parentes sem mim nem por decreto.Prefiro ser histérica do que ver alguém arrebentando a vida da minha filha.Sou assim com meu menino de 10 anos tb ^^

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